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Foto do escritorSommelier Luciano

Sorte ou Azar: Salvo por uma Garrafa de Vinho Branco

Atualizado: 26 de abr.

Após ter superado os desafios do primeiro e do segundo nível do curso de Sommelier, chegou o momento crucial de enfrentar o exame do terceiro nível, o mais prestigioso de todos, que concederia o título de Sommelier Profissional, o ápice da carreira.


Uma garrafa de vinho brancoVerdicchio Castello di Jesi em cima de uma mesa rústica com venhedos ao redor
Vinho Verdicchio Castello Di Jesi

O exame é dividido em duas partes igualmente cruciais. A primeira é um teste escrito, correspondente a 40% da nota final, e a segunda, temida por muitos, é um teste oral e prático, responsável pelos restantes 60%. O teste escrito aborda todo o conhecimento acumulado ao longo dos três níveis do curso. Já o teste prático começa com a execução do serviço de vinho, seguido por uma degustação às cegas, onde o candidato deve identificar as características do vinho e, como desafio supremo, adivinhar sua origem. Depois disso um teste oral que pode envolver qualquer argumento tratado no decorrer do período formativo.


"O serviço do sommelier à mesa compreende várias etapas, cada uma das quais tem o objetivo de garantir que o cliente aproveite ao máximo o vinho escolhido. As etapas incluem a apresentação do vinho, a abertura da garrafa, a verificação da rolha, a prova antes de servir ao cliente, o serviço do vinho, a verificação pelo cliente e, finalmente, o serviço das taças. Este serviço requer atenção meticulosa aos detalhes e respeito pelas tradições. O sommelier é um especialista na seleção e apresentação de vinhos, cujo principal objetivo é garantir que os clientes desfrutem de uma experiência vinícola extraordinária durante a refeição." 

A banca examinadora é composta pelo presidente nacional da FISAR, pelo vice-presidente e pelo secretário, o que geralmente resulta na marcação dos exames para os finais de semana. Além disso, o diretor do curso deve estar presente. A tensão ante uma banca examinadora de tal calibre é inimaginável. Naquele dia, devido à ausência do vice-presidente, um dos meus mais renomados professores assumiu seu lugar.


Meu exame estava agendado para um sábado às 16:00 horas. Aproveitei a manhã de domingo para revisar alguns pontos, especialmente sobre os vinhos da Califórnia, pois estava certo de que seria questionado sobre eles, já que no teste escrito não consegui responder absolutamente nada sobre o assunto.


No almoço, tivemos frango grelhado, temperado com raspas de limão siciliano e ervas frescas acompanhado por legumes assados, como abobrinha, berinjela e pimentões, temperados com ervas e azeite de oliva e, é claro, um arrozinho, afinal, somos brasileiros!


Nesse ponto da minha jornada, eu já estava confiante em meu conhecimento sobre vinhos. Desci até a adega em busca de um branco para harmonizar com a comida e encontrei um Verdicchio Castello di Jesi, um vinho que eu ainda não havia provado.


O Verdicchio dei Castelli di Jesi é um vinho branco italiano notável por sua acidez refrescante, sabores cítricos e caráter mineral distintivo. Produzido a partir da uva Verdicchio, uma variedade branca autóctone da região de Marche (Marque em português),  cuja capital é a cidade de Ancona, localizada na costa leste da Itália, às margens do Mar Adriático. Uma excelente escolha para quem aprecia vinhos brancos frescos e versáteis, especialmente quando acompanhando pratos da culinária italiana ou frutos do mar frescos.


Como era um vinho desconhecido para mim, decidi prová-lo. Quem sabe ele não seria o vinho da degustação às cegas do meu exame? O vinho revelou-se interessante, mostrando-se versátil, com ótima acidez e um caráter fresco e frutado, o que harmonizou bem com os legumes assados e os temperos do frango.


Finalmente, chegou a hora do exame. Entrei na sala, onde minha diretora estava sentada a uma mesa, como se estivéssemos em um restaurante. O carrinho para o serviço do vinho estava ao lado da mesa, e cada um de nós trouxe sua própria garrafa. No meu caso, escolhi um Le Difese da Tenuta San Guido.


O nervosismo estava à flor da pele. Eu já havia trabalhado por muitos anos como policial, enfrentando situações de extremo estresse, mas nunca me senti tão nervoso. Segui todas as etapas do serviço, até que o impensável aconteceu, algo inaceitável para um sommelier. A rolha quebrou durante a abertura da garrafa! Meu nervosismo atingiu o ápice, e minha mente só conseguia pensar em uma coisa: "Perdi o curso!


Percebendo o meu nervosismo, o professor que estava ocupando o lugar do vice-presidente tentou me acalmar. Ele destacou que eu sempre fui um aluno participativo, que havia absorvido muito bem o conteúdo do curso e que deveria permanecer confiante e tentar acalmar meus nervos, pois situações de grande nervosismo são comuns nesses momentos. Com essas palavras, fiz o meu melhor para acalmar os nervos e continuei a execução do serviço da melhor maneira possível.


Quando chegou a hora da degustação às cegas, o presidente da banca sugeriu que começássemos com o teste oral, considerando o meu grau de nervosismo. E adivinhe só a primeira pergunta que me fizeram? "Fale-nos sobre os vinhos da Califórnia." Felizmente, eu estava bem preparado, já que havia zerado esse tópico no teste escrito. Assim, consegui responder de forma segura.

Em seguida, o meu professor fez uma pergunta sobre qual seria o melhor Pinot Noir da Califórnia. Essa eu sabia! O Pinot Noir tinto do Willamette Valley, localizado no estado de Oregon, é conhecido por produzir alguns dos melhores vinhos Pinot Noir nos Estados Unidos, perdendo apenas para a região da Borgonha, na França, que é aclamada como o berço dos melhores Pinot Noir do mundo. A Borgonha, com suas aldeias de renome como Gevrey-Chambertin, Vosne-Romanée e Chambolle-Musigny, é reverenciada pelos amantes de vinho por suas condições de solo e clima ideais, que proporcionam a expressão mais pura e refinada da uva Pinot Noir. Portanto, o reconhecimento do Willamette Valley como produtor de excelentes Pinot Noir é um feito notável e respeitado no mundo do vinho. Ufa! Mas isso não era o suficiente para me redimir do fiasco de ter quebrado a rolha!

Finalmente, chegou a hora da degustação às cegas. A expectativa era grande, e eu sabia que apenas aquilo poderia me salvar. A garrafa já estava aberta, e eu servi todos na sala com aquela garrafa coberta. Comecei pela minha diretora, por ser uma mulher, seguida pelo presidente e pelo meu professor, e por último, o secretário. Então, servi a minha taça e comecei a realizar a degustação técnica, conforme o protocolo.


O vinho se revelou ser um branco seco. Ergui a taça contra a luz, observei a cor, um amarelo palha, girei a taça para analisar a fluidez. Escorria levemente, sem deixar marcas de glicerina na taça, indicando um vinho bem elaborado e pouco alcoólico. Ao levar o nariz à taça, identifiquei notas de flores brancas, frutas de polpa branca, frutas cítricas e um toque mineral. Ao paladar, percebi uma boa acidez, uma sensação de mineralidade e um corpo médio com textura equilibrada entre a leveza e a cremosidade. O final foi refrescante e persistente, deixando uma sensação agradável na boca.


Então, começaram as perguntas. Primeiramente, me perguntaram com base nas características, quais tipos de alimentos eu harmonizaria com aquele vinho. Respondi que a combinação de acidez vibrante e sabores de frutas frescas, com um toque de mineralidade, criava um equilíbrio atraente no paladar, e por isso, ele poderia combinar bem com uma variedade de pratos da cozinha italiana e mediterrânea. Fui elogiado e encorajado a continuar. Adiantei que ele seria ótimo com massas de molhos leves, saladas frescas e aperitivos italianos. A banca parecia satisfeita com as respostas.


Em seguida, me questionaram se eu seria capaz de identificar de qual região vinha aquele vinho com base em suas características. Respondi que pelas características, provavelmente era de uma região próxima ao mar. Novamente, recebi elogios por minha análise, e me senti seguro para prosseguir naquela linha.


Então naquele momento, lembrei-me do Verdicchio Castello di Jesi que havia provado no almoço e tomei coragem para arriscar: "Este vinho é um Verdicchio Castello di Jesi!" Da região de Marche. E acertei em cheio! Estava salvo! Com certeza, eu passaria no exame. Olhei para minha diretora e pude ver o orgulho que ela estava sentindo.


Devido à minha sinceridade, acabei contando que havia bebido o mesmo vinho, de outra vinícola, durante o almoço, pois era um vinho que eu nunca havia provado antes. O secretário me repreendeu, alegando que tinha sido fácil demais para mim por ter experimentado um vinho semelhante no almoço. No entanto, o presidente, usando a expressão "Santa sinceridade!", e meu professor tinham uma visão diferente e consideraram minha experiência válida, afirmando que essa vivência me faria lembrar daquele vinho para sempre.


Em conclusão, essa jornada rumo à obtenção do título de Sommelier Profissional foi repleta de desafios, tensões e, claro, um momento inesquecível com a quebra da rolha durante o exame. Contudo, a história ilustra a importância de estar bem preparado, tanto em conhecimento teórico quanto em habilidades práticas, quando se trata do mundo dos vinhos. Além disso, ressalta a valiosa lição de que a paixão e a dedicação podem superar até mesmo os momentos mais tensos. A experiência de harmonizar um Verdicchio Castello di Jesi com uma refeição inesperada e posteriormente identificá-lo com sucesso em uma degustação às cegas, demonstra como o estudo e a prática contínuos podem aprimorar nosso paladar e apreciação pela riqueza do mundo dos vinhos.

No final, essa história não apenas celebra a conquista do título de Sommelier Profissional, mas também destaca como o amor e o conhecimento pelos vinhos podem nos guiar em momentos de desafio, resultando em experiências memoráveis e aprendizado duradouro.

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