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Foto do escritorSommelier Luciano

O Vinho Italiano que Nasceu por Acidente: Amarone Clássico della Valpolicella

Atualizado: 9 de jul.

Caros leitores, permitam-me levá-los numa viagem pelo tempo enquanto desvendo a história do Amarone Clássico della Valpolicella, um tipo de vinho italiano que captura a essência da tradição italiana.


Nascido nas colinas da Valpolicella, na região do Vêneto, o Amarone é fruto de um acidente feliz e inovador. Mas como assim?


Conta-se que, no início do século XX, um barril de Recioto, o adorado vinho doce de sobremesa local, foi esquecido, fermentando além do ponto de doçura. O resultado foi um vinho robusto e seco, com um toque amargo que inspirou seu nome: Amarone, derivado de “amaro”, que em italiano significa amargo.


E assim, segundo a lenda, um padre e comerciante de vinhos, ao descobrir o barril esquecido, provou o conteúdo e, para sua surpresa, encontrou um produto de caráter excepcional. Reconhecendo o potencial daquela transformação inesperada, ele decidiu comercializar o vinho, que viria a ser conhecido como Amarone.


O vinho pioneiro, o qual fora apreciado pelo padre, é considerado o precursor do Amarone moderno que conhecemos hoje. Com o passar do tempo e a formalização das técnicas de produção, especialmente após a criação do disciplinar de produção, as práticas evoluíram, refinando a qualidade e a consistência do Amarone, solidificando sua reputação como um dos grandes vinhos italianos. Embora não haja provas documentais que confirmem esta narrativa, ela perdura como uma homenagem à descoberta e apreciação do Amarone, um tesouro da enologia italiana.


Na realidade, que se difere das lendas, apesar da atenção meticulosa que os produtores dedicavam ao seu ofício, acidentes assim ocorriam uma vez ou outra, e o vinho era descartado. Naquela época, como hoje, a vinificação era uma arte que exigia precisão e cuidado. Um barril esquecido poderia significar a perda de um líquido valioso, o que certamente não era desejável.


Conforme previsto no "Disciplinare di Produzione" o Amarone ser produzido somente nas cidades de Marano, Fumane, Negrar, S. Ambrogio, S. Pietro in Cariano, Dolcè, Verona, S. Martino Buon Albergo, Lavagno, Mezzane, Tregnago, Illasi, Colognola ai Colli, Cazzano di Tramigna, Grezzana, Pescantina, Cerro Veronese, S. Mauro di Saline e Montecchia di Crosara, na Provincia de Verona. Estas áreas são abençoadas com um microclima único, graças à proteção das montanhas e à influência moderadora do Lago de Garda. As vinhas são nutridas por um solo rico em calcário e argila.


Graticci: Prateleiras de madeira para secagem da Uva
Graticci: Prateleiras de madeira para secagem da Uva

A magia do Amarone começa com o passimento, um meticuloso processo de secagem das uvas Corvina, Corvinone e Rondinella e Molinara. Após a colheita, as uvas são cuidadosamente dispostas em esteiras ou caixas, onde repousam por cerca de 100 a 120 dias. Durante este tempo, elas perdem até 40% de seu peso em água, concentrando açúcares e sabores. A fermentação subsequente é lenta, transformando essas uvas passificadas em um vinho de corpo pleno e alto teor alcoólico. O envelhecimento em madeira é o toque final que refina sua estrutura, permitindo que o Amarone evolua e melhore com o tempo.


Existiu um tempo, em que o método tradicional de passimento para a produção de vinhos como o Amarone envolvia o uso de esteiras feitas de bambu ou madeira, conhecidas como graticci. Este processo ancestral remonta aos tempos dos romanos, que utilizavam esteiras de bambu para secar as uvas e concentrar seus açúcares e sabores.


Após a colheita, as uvas destinadas ao Amarone eram meticulosamente dispostas sobre os graticci, e levadas para secar em edificações de pedra, projetadas especificamente para protegê-las da chuva e da neblina. Este ambiente controlado permitia que as uvas desidratassem lentamente, atingindo a concentração de açúcares necessária sem o risco de contaminação por fungos.


Uma vez alcançado o ponto ideal de desidratação, que intensifica o dulçor natural, as uvas eram moídas e submetidas ao processo convencional de vinificação dos tintos. Esse cuidadoso processo de passimento é crucial para conferir ao Amarone seus característicos aromas especiados e complexidade de sabores.


Hoje, embora algumas vinícolas ainda utilizem métodos tradicionais, muitas adotaram técnicas modernas que replicam as condições ideais de secagem das uvas para a produção de Amarone e outros vinhos passificados.


Amarone Clássico della Valpolicella Tommasi
Amarone Clássico della Valpolicella Tommasi

Ao explorar o mundo dos Amarones, descobri uma gama de produtores que se destacam pela qualidade e excelência. Para aqueles que buscam um Amarone com ótima relação qualidade/preço, recomendo o Begali Monte Ca’Bianca. Este produtor familiar oferece Amarones que são verdadeiras joias a preços acessíveis, sem comprometer a qualidade. Uma outra opção com ótim relação qualidade/preço é o Amarone Tommasi, um produto que não deixa a desejar.


Em um patamar intermediário, encontramos produtores como Zenato e Tedeschi, que equilibram habilmente a tradição e a inovação, criando vinhos que refletem o caráter da região de Valpolicella com uma complexidade fascinante.


Por fim, para os entusiastas dispostos a investir em exemplares mais caros e raros, as vinícolas Quintarelli e Romano Dal Forno representam o ápice da vinificação. Seus Amarones são obras-primas, fruto de uma dedicação incansável e de uma atenção meticulosa aos detalhes, resultando em vinhos de uma profundidade e riqueza incomparáveis.

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